PETRUS ROMANUS
O Conhecimento e a Desmistificação da Vida
Costumava pensar, antigamente, que as pessoas felizes, mais felizes, carregavam consigo uma forma ingênua de contemplação da vida: era como se distorcessem muito as coisas, como se tivessem pontos de vista muito fantasiosos e um conjunto de ideias inconsistentes e infantis. Por outro lado, parecia-me que as pessoas mais melancólicas tinham um conhecimento da vida mais convincente e ligeiramente mais verdadeiro. Também tinha a sensação de que, quando vamos conhecendo mais profundamente a vida, o encantamento pela mesma vai diminuindo.
Esses e outros pensamentos me motivaram e fizeram com que eu escrevesse o pequeno artigo que se segue.
O CONHECIMENTO E A DESMISTIFICAÇÃO DA VIDA
A suposta desmistificação da vida não é motivo ou causa do desinteresse pela mesma: primeiramente, a existência de um conhecimento distinto, amplo e real sobre a vida é condição necessária para que possa haver a possibilidade de efetivação de tal desmistificação: esta, portanto, não existe, é algo apenas aparente, pois aquele conhecimento também não existe. Não obstante, mesmo supondo que este descortinamento fosse possível (e, na verdade, quando contemplamos o indivíduo como sujeito subjetivo, ele até que é possível em certo grau), teríamos: segundo, a compreensão consciente de algo não pode determinar esse ou aquele sentimento diretamente, pois a consciência quase nunca age como causa (tenuidade ou inexistência das causas intelectuais, consciência como espelho, como reflexo) - se há, portanto, um aparente desinteresse por algo depois de sua compreensão, certamente que tal desinteresse não foi ocasionado pela compreensão, mas sim, na maior parte dos casos, pelo processo que leva à compreensão; isto é, simultaneidade entre compreensão e desinteresse, ou ainda, compreensão como efeito do desinteresse. Para ilustrar essa última afirmação, vamos a um pensamento simplório: quando amamos uma determinada coisa, costumamos ver apenas seu lado positivo, o que há de bom nessa coisa; quando a odiamos, vemos apenas suas desvirtudes, seus defeitos - em alguns casos, em muitos casos, aliás, chegamos a inventar defeitos para aquilo que odiamos e qualidades para aquilo que amamos. Daí decorre que um conhecimento mais preciso sobre algo, havendo um grau de subjetividade elevado na situação, como é no caso da vida, só é possível quando não amamos e quando não odiamos esse algo. O que vem a ocorrer, portanto, é quase sempre o contrário do que aquilo que normalmente se imagina: o desinteresse pela vida é que trás sua desmistificação, trás o desanuviamento de alguns poucos aspectos dela.
Algo muito próximo disso ocorre quando o nosso eye of eagle penetra nas profundezas da alma das pessoas: o véu que cobre seus defeitos e as motivações de suas virtudes cai frente a nossa percepção apurada - em alguns momentos, em virtude de associações equivocadas e da confusão entre causa e efeito e outras do gênero, confusão esta comumente vista, podemos imaginar que o conhecimento profundo de outrem causa um certo desinteresse pelas pessoas (eu mesmo já pensei assim). Todavia, não se trata disso: a nossa própria constituição, que é quem nos dá o direito de ver isso ou aquilo, dessa ou daquela forma, é que define a forma fria ou afetiva como vamos interagir com nossos semelhantes, é que define se os outros vão nos despertar o encantamento, o receio ou mesmo o ódio. Temos então, na maior parte dos casos, dois efeitos de uma mesma causa, que, por um erro de percepção, passam a ser associados como causa e efeito.
Ademais, uma determinada caracterização de algo não é boa ou ruim em si, mas se tornará boa ou ruim quando nos apossarmos dela. Exemplo: o estudo profundo dos seres humanos pode levar-nos a compreender as motivações dos atos altruístas e solidários entre as pessoas (busca pela superioridade, pedido de desculpas, virtude consciente, prazer próprio, egoísmo, extirpação de um determinado sofrimento adquirido na infância etc.), porém tal compreensão não é um motivo para se amar menos a humanidade (se isso vier a ocorrer, essa falta de amor já estava presente no mundo interior do indivíduo: apenas emergiu depois de um pequeno incentivo), pois, por exemplo, poder-se-á pensar: "As coisas deveriam ser de uma forma; são como são e é algo que vem dando certo: o que há de feio nisso? Trata-se da necessidade...". Além disso, uma determinada ideia não pode matar o amor (só outro sentimento pode verdadeiramente lutar contra o amor, e, se o amor for forte, só um sentimento muito forte para afrontá-lo). Neste caso especificamente, um dos grandes problemas vem do passado, de todas as gerações passadas que criaram sentimentos fictícios, imaginários, alicerçando a virtude humana na areia: isso pode, em determinadas situações da vida, causar certas decepções sentimentais e posteriores conflitos intelectuais, de onde emanam erros de percepção e de raciocínio. No futuro, talvez venham a existir gerações organicamente mais saudáveis do que a nossa: mesmo na posse de um conhecimento do mundo e da vida mais concreto e "realista" do que o nosso, essas gerações vindouras poderão amar mais a sua própria raça e a natureza que a engloba - é na mente que tomamos consciência do encantamento que sentimos, mas este encantamento está no coração: lá permanece inabalável, permanece inalcançável para aqueles que estão na superfície, para os habitantes da consciência.