PETRUS ROMANUS
Do Fanatismo Religioso - A Questão dos Evangélicos
Em novembro de 2007, escrevi este texto para o meu antigo e extinto blog. Ostentando um tom ora agressivo, ora frio, surgiu, além de outras coisas, da reflexão sobre uma questão simples e importante: como pessoas aparentemente inteligentes, filosoficamente inteligentes, podem apresentar crenças tão pouco plausíveis?
DO FANATISMO RELIGIOSO - A QUESTÃO DOS EVANGÉLICOS
Não é de hoje que os evangélicos me incomodam: há tempos não tenho mais suportado escutar com piedade os seus disparates, não tenho suportado o seu modo agressivo e infantil de ser; tampouco me agrada o mau humor característico de muitos - muitos evangélicos manifestam um certo ódio à vida, têm horror à própria humanidade: isso se torna manifesto no modo como olham, como criticam os outros, no seu jeito egocêntrico de ser.
Mas até que, nos últimos tempos, essa minha indisposição para com os evangélicos foi abrandando: eles foram pouco a pouco diminuindo de tamanho em relação a mim... Hoje, só escuto ecos e vozes débeis, um balbuciar tênue e sem força, sem fulgor, sem animação, sem "crença" ou força para fazer escutar e crer. Só damos importância àquelas opiniões que emanam de pessoas que estão no mesmo patamar que nós, ou acima de nós, ou, enfim, no máximo, um pouco abaixo de nós: o que provém das crianças, da infantilidade exagerada, daqueles que nem mais enxergamos (mesmo que curvemos completamente a cabeça para baixo) não nos afeta. Os evangélicos já me feriram, cortaram-me, porém a convalescença foi gradativamente ganhando corpo a tal ponto que só reservei para eles o que geralmente só guardo para aquilo que é um tanto indiferente para mim: a análise fria, o desmistificar, a interpretação "cruel".
É assim que, agora, disponho-me a tecer alguns comentários acerca da "psicologia" do evangélico, tanto do fanático como do mais contido.
§1. - A necessidade
A necessidade é a mãe de todas as crenças fortes.
A história de muitos evangélicos é quase a mesma, algo padronizado, algo assim: temos, primeiro, uma pessoa sem crenças, desalinhada e um tanto desequilibrada: percorre a vida fora dos trilhos até que afunda na lama produzida pelos seus próprios erros. Quando está na pior, então, o instinto vital se mostra e fala aos ouvidos dele: "Você está na pior: é condenado pela sociedade, não tem alternativas, roubou, destruiu, fechou portas, está na miséria - doravante, é morte ou vida: uma atitude torna-se necessária!". Aqui a necessidade se faz presente: é preciso se reerguer de algum modo, readquirir a dignidade perdida e a esperança, elevar novamente a autoestima, despir-se da culpa, ser aceito novamente na sociedade (ou em alguma sociedade). Agora passamos a ter, enfim, uma pessoa alienada, solitária e desesperada que "topa tudo" para salvar a própria vida. E qual tipo de discurso pode facilmente servir de isca para tal pessoa? Que tipo de crença pode lhe satisfazer e trazer, além de uma ideologia salutar para curar suas enfermidades, um grupo "acolhedor" de pessoas? É preciso responder?
§2. - Os costumes e a evangelização por herança
Muitas pessoas são evangélicas por causa de sua família e de pessoas mais próximas. Já observaram que, quando uma pessoa cresce escutando um determinado tipo de música, ela geralmente passa a gostar muito desse tipo de música? A grande maioria dos nossos gostos são adquiridos e determinados durante a nossa vida: o desenvolvimento do nosso ser segue determinados princípios e instintos, os quais englobam tipos de escolhas, tipos de imitação, associação por prazer e desprazer etc. É assim que, por exemplo, os filhos adquirem certas características comportamentais e/ou ideológicas dos pais: desde criança, sentem prazer em imitar os pais (esperteza da natureza: supõe que os mais velhos estão mais adaptados ao mundo, ou seja, a imitação dos costumes dos mais velhos é a melhor solução para que os mais novos sobrevivam na guerra da vida); imitam então e a partir daí cria-se uma rede de associações, na qual figuram instintos diversos, prazer e desprazer, sentimento de aceitação, confiança etc.
Portanto, quando uma criança pertence a uma família de evangélicos, a tendência é que ela se torne também evangélica, e tal tendência será maior ou menor dependendo, principalmente, da fraqueza de seu intelecto e das associações positivas ou negativas que vierem a acontecer.
§3. - Outros contributos: a plausibilidade e a lógica subjetiva
A forma como raciocinamos vai sendo moldada durante a nossa vida, e cada estrutura intelectual é única. Como cada um tem seu próprio mundo, como cada um viveu e absorveu de forma distinta todos os acontecimentos da vida, cada um raciocinará à sua maneira: o que parece ser lógico (plausível) para mim pode não ser para outras pessoas. Um exemplo: imagine uma criança que é instruída a acreditar que deus é a causa do mundo, que teve vontade própria no momento da criação, que criou algo que está fora de si, que é a explicação para tudo, que governa as nossas vidas (direta ou indiretamente) etc. O intelecto infantil dessa criança, que ainda está em formação, tende a tomar tal ensinamento para si e ainda o transformando numa espécie de "conceito primitivo", isto é, aquele conceito primário ao qual se associarão boa parte dos outros conceitos: em suma, será o início de uma rede que está começando a ser construída. Quando essa criança crescer, não só parecer-lhe-á ilógica a afirmação de que o seu deus não existe (pois tal afirmação vai de encontro a uma rede complexa de associações, uma rede que já tem sua consistência, seu encadeamento "lógico" e que determina o modo de pensar, de analisar, de acolher e de descartar da pessoa), como ela vai descartá-la por, como posso dizer? "conveniência": aceitar uma ideia que se contrapõe a um conceito primitivo não é para qualquer um, pois seria preciso desconstruir toda a rede que fomos construindo durante a vida, uma rede cujos moldes de construção, tanto no âmbito das experiências como no da posterior adequação dos derivados dessas experiências (conceitos etc.) à rede, foram determinados por essa ideia raiz, por esse conceito primário. Além disso, teríamos que jogar fora boa parte de nossas esperanças, costumes prazerosos, grupos sociais etc. E não termina por aí: o receio da decepção de sabermos que estávamos errados o tempo inteiro, de que fomos ingênuos o suficiente para sermos enganados por tanto tempo, enfim, tudo isso se constitui como importante razão para que continuemos de olhos fechados (para a maioria das pessoas, é melhor viver feliz nas nuvens do que viver não tão feliz no mundo).
§4. - A reviravolta: o intelecto, os motivos e o abandono das antigas crenças
É uma história que pode ser contada assim: primeiro, o sujeito nasce e é induzido a acreditar na Bíblia desde quando começa a apresentar alguma consciência das coisas do mundo. Depois, toda a sua vida passa a se conformar e a girar em torno de tais crenças. A idade adulta se aproxima, o seu intelecto vai amadurecendo e alguns meios externos começam a colocar alguns questionamentos, que logo são repelidos: é a época em que o intelecto começa a procurar motivos para sustentar as crenças absurdas ("Então Deus disse: faça-se a luz... e o Big Bang ocorreu"; "O evolucionismo apresenta falhas graves...", "A linguagem da Bíblia é simbólica...", "A Bíblia em momento algum especifica se os seis dias da criação são realmente dias mesmo ou seis grandes períodos de tempo" etc.). Com o passar do tempo, no entanto, a dúvida mergulhada nas profundezas de sua consciência começa a ganhar força: o sujeito não percebe com clareza, mas sua percepção, suas experiências, seus conceitos, sua rede de associações vão mudando aos poucos, de forma quase imperceptível. Chega um dia, então, em que ele se percebe em um estado de intensa dúvida (ele começa a contemplar o "caminho"): o seu sentimento mudou, seu mundo interno mudou, o seu intelecto não mais é impelido bruscamente a forjar falsos motivos para justificar suas crenças. Finalmente, pouco tempo depois, ele admite a absurdidade daquilo em que acreditava: uma doce tristeza e uma calma paz fazem-se presentes em seu coração, um velho mundo se fecha, um novo mundo se abre (ele começa a percorrer o "caminho").
§5. - Epílogo: a reafirmação das crenças
Muitos, no entanto, ficam com suas crenças a vida inteira: é muito tarde para mudar, falta força intelectual, falta mudança sentimental, falta vontade. Costumam agredir e atacar tudo aquilo que, de alguma forma, coloca em risco a validade de suas crenças (principalmente os fanáticos: precisam muito das crenças, fazem de tudo por elas: depreciam a ciência, a razão, a lógica, as evidências, as crenças alheias etc.)... Já no final de suas vidas, no leito derradeiro, pensam: "Já estou indo, meu criador!" - mas geralmente são palavras que o vento carrega: mesmo supondo que o seu deus existe, o seu fanatismo e a sua agressividade para com os outros (aqueles que não partilham ou partilharam de suas crenças) o tiraram do caminho. O correto, portanto, de acordo com sua perspectiva, seria: "Lamento profundamente, pois sei que o diabo já está me esperando com o seu chicote... Sim! Sim! Eu o vejo, ele já está ali na espreita, detrás da porta".